Não há empoderamento político sem empoderamento econômico. Esse foi o princípio por trás de uma estratégia de 2019 da Coalizão da América Latina da RRI [Iniciativa de Direitos e Recursos] para analisar sistemas econômicos com base nos próprios conceitos de desenvolvimento das comunidades dentro de seus sistemas de propriedade comum.
A análise teve como objetivo compreender como esses sistemas podem fortalecer os direitos territoriais dos Povos Indígenas, comunidades locais e Povos Afrodescendentes, com foco particular nas mulheres desses grupos.
A primeira fase da análise teve como objetivo compreender as contribuições das mulheres para suas próprias economias e empreendimentos coletivos liderados por mulheres pertencentes a grupos étnicos ou comunitários, um assunto historicamente negligenciado tanto nacional quanto internacionalmente. A análise foi elaborada em duas etapas: a primeira consistiu em um mapeamento regional das iniciativas e empreendimentos econômicos de comunidades lideradas por mulheres em oito países. O segundo envolveu um estudo aprofundado das condições favoráveis e impactos desses sistemas sobre as mulheres e suas comunidades.
Mapeamento e classificação
A análise preliminar mapeou 89 iniciativas em 8 países latino-americanos: Brasil (10), Colômbia (10), Equador (12), Guatemala (13), Honduras (10), México (13), Panamá (9) e Peru (12) Desta amostra, extraímos os seguintes resultados:
- 68,5% das empresas eram dirigidas por mulheres Indígenas, 18% por mulheres Afrodescendentes, 9% por mulheres das comunidades locais e 4,5% por mulheres de dois ou mais grupos.
- Verificou-se que as mulheres Indígenas, Afrodescendentes e das comunidades locais contribuíam para suas economias locais ou territoriais por meio de uma ampla gama de tipos de negócios. Estes foram classificados em: produtos naturais e processados, gastronomia, turismo, artesanato, serviços culturais e serviços sociais e de saúde. Muitas iniciativas pertencem a dois ou mais tipos de empresas.
- O setor predominante é a produção de artesanato, seja como atividade primária ou complementar. No artesanato, o subsetor têxtil costumava estar vinculado ao turismo.
- Cerca de 70% de todas as empresas artesanais eram altamente especializadas, dando continuidade a uma tradição milenar que ainda se preserva fora dos territórios comuns. Os exemplos incluem tecelões, peleiros ou ceramistas. No Lago Atitlán, Guatemala, os tecelões maias demonstraram que os processos de obtenção, tingimento e tecelagem da lã estão ligados à atividade milenar de sua cultura e a processos de cura espiritual.
- Dos produtos naturais e processados, 77% pertenciam ao subsetor de alimentos, que ia desde o cultivo de alimentos básicos até a produção de produtos derivados como o casabe (pão feito com farinha de mandioca), frutas em conserva, ervas aromáticas para infusões e outros. Este setor está frequentemente associado ao turismo.
Também notamos diferenças interessantes entre as regiões da Mesoamérica e da América do Sul. Na Mesoamérica, as empresas do setor social e cultural foram mais frequentes, indicando uma maior participação das mulheres em áreas tipicamente dominadas por homens, como música, mídia, finanças e defesa legal. Organizações de mulheres na Mesoamérica lideraram ações legais para defender a propriedade Indígena de designs têxteis e desafiaram o estigma enfrentado por mulheres casadas que atuam no palco, formam grupos musicais, dirigem organizações de poupança rural ou apresentam programas de rádio e notícias em suas próprias línguas.
Fatores favoráveis aos negócios de mulheres
Durante uma revisão de fontes secundárias, como as redes sociais das empresas de mulheres, bem como as pesquisas e os relatórios de notícias sobre esse tópico, identificamos as tendências e ideias chave que servirão de base para o segundo estágio desta análise. Descobrimos, por exemplo, que as circunstâncias e o contexto sociocultural são fundamentais para entender por que as mulheres se tornam empresárias. A necessidade econômica é destacada, particularmente em um contexto de eventos sociais como migração, conflitos armados e desapropriação de terras, que geraram pobreza, analfabetismo e problemas de saúde nessas comunidades.
Também identificamos uma busca por independência econômica para enfrentar a misoginia, a discriminação de gênero, a marginalização e a violência contra as mulheres. Algumas empresas surgiram da necessidade de preservar e compartilhar a cultura e identidade de suas comunidades, e outras começaram como resistência às pressões externas sobre os territórios comunitários: invasões, desapropriações de terras, danos ambientais e exploração de recursos compartilhados.
A estética surgiu como um veículo fundamental para o empoderamento dos Povos Afrodescendentes. Por meio do turbante, do penteado e do cabelo, a mulher negra fortalece sua autoestima, se conecta com suas raízes e ensina seus filhos a abraçar sua identidade. Isso também vincula a venda de produtos cosméticos e acessórios à expressão da identidade negra. Na Colômbia, as mulheres da Mata e ‘Pelo [Coletivo de Afroguajiras para a movimentação dos cabelos naturais e da estética afro] são um exemplo dessa forma de expressão.
Descobrimos que apesar de estarem longe de seus territórios, os valores sociais e a solidariedade das comunidades continuavam fortes. Mulheres migrantes formaram associações, organizando-se reconhecendo suas raízes e costumes comuns. Essas associações têm apoiado seus membros contra a violência, a discriminação ou o isolamento por meio de assessoria jurídica, capacitação econômica e a manutenção das tradições ancestrais por meio de artesanato, alimentação e eventos.
A análise também aponta para exemplos de cooperativas de mulheres, como as do Equador, formadas para garantir que as mulheres possam ter uma participação política efetiva e igualitária, bem como acesso à remuneração direta. Isso deu às mulheres voz nas decisões sobre seus territórios e recursos. Por razões semelhantes, fundos financeiros foram criados para conceder facilidades apenas para mulheres. É importante notar que estudos encontraram melhores taxas de saúde e educação em crianças em comunidades onde as mulheres são responsáveis pela distribuição da renda familiar.
Em outros casos, as empresas das mulheres foram resultado de alianças formadas para preservar sua cultura e tradições. Esse foi o caso das parteiras no Brasil, que se reinventaram em um momento em que era negado às mulheres de grupos étnicos o direito aos sistemas de saúde interculturais porque o governo havia imposto restrições à prática da obstetrícia, e ir a um posto de saúde implicava em uma maior probabilidade de parto cesáreo. As parteiras formaram uma associação para treinar nas diretrizes de saúde exigidas pelo governo e se tornarem aliadas das entidades de saúde autorizadas.
As alianças também servem para abrir mercados potenciais. Em muitos casos, a manutenção de técnicas ancestrais de produção resultou em preços mais elevados para os produtos, com alianças e certificações que dão a essas empresas acesso a mercados mais especializados. Durante a pandemia de Covid-19, muitas empresas também se juntaram para vender online, como se viu no caso da loja online Rurak Maki, no Peru, que vende arte e artesanato peruano e popular Indígena.
Na cultura Garifuna da Mesoamérica, onde as comunidades enfrentaram desapropriação social, migratória e territorial, a análise identificou que a música, a dança e a comida eram utilizadas como forma de manter viva a cultura das comunidades onde quer que estivessem. É o caso do casabe e de outros produtos comestíveis dos Garífuna, que são industrializados e exportados para mercados tão competitivos quanto os Estados Unidos. Na música, as mulheres revivem canções baseadas na história de seus povos e no cotidiano de seus povos, apresentadas em festivais e acompanhadas de bailes.
Enquanto a segunda fase da análise está em curso, os resultados completos da primeira fase podem ser vistos aqui.
Para mais informações, por favor contactar Alejandra Zamora em [email protected] e Omaira Bolaños em [email protected].
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