25 de setembro de 2020

Marco Lambertini
Diretor geral, WWF International

Prezado Sr. Lambertini,

Em nome da Coalizão Rights and Resources Initiative (RRI), uma rede internacional de Povos Indígenas, Quilombolas, organizações comunitárias locais e seus aliados, estou escrevendo para informá-lo de nosso profundo desalento com o recém-lançado Relatório Planeta Vivo 2020.

Embora certamente concordemos que existe uma crise global de biodiversidade que exige transformações fundamentais e urgentes em nossos sistemas mundiais de produção e consumo, é lamentável que mais uma vez o LPR (Relatório Planeta Vivo) ignore completamente as populações locais e seus direitos e meios de subsistência em seus cenários e propostas de estratégias de conservação. Essa omissão é particularmente decepcionante em vista do reconhecimento generalizado de racismo sistêmico em andamento em todo o mundo e a crescente preocupação com as próprias raízes racistas da conservação – pela qual Povos Indígenas e comunidades locais foram removidos à força de áreas protegidas recentemente estabelecidas. Essa prática se tornou a convenção promovida pela WWF entre outras em todo o mundo, e continua a abusar das populações locais atualmente, conforme evidenciado pela violência generalizada e contínua contra ambientalistas em áreas de conservação. A cegueira do LPR2020 (Relatório Planeta Vivo) a essa injustiça histórica e contínua, o próprio “pecado original” da conservação, é ainda mais preocupante dada a própria implicação da WWF em uma série de abusos aos direitos humanos pelos quais a mesma ainda não se redimiu adequadamente. A organização também peca por não seguir o corajoso exemplo do Sierra Club – uma das organizações conservacionistas mais antigas e influentes do mundo – que admitiu há um mês as bases racistas de sua própria organização e abordagens conservacionistas.

É duplamente trágico que o relatório ignore esta injustiça histórica, porque um corpo de pesquisa robusto demonstra inequivocamente que os Povos Indígenas, comunidades locais e Quilombolas geralmente têm melhor desempenho do que governos em conservar a biodiversidade, em armazenamento de carbono e na prevenção do desmatamento – tudo a um custo muito mais baixo e com menos corrupção. Portanto, em muitos casos, eles oferecem a solução mais promissora para salvar a biodiversidade restante do mundo. Também neste caso, ignorar a população local ou assumir sua concordância com as noções nortistas de conservação, “o silêncio é violência”; e há o risco de que o relatório cause danos às mesmas pessoas que sempre protegeram a natureza.

O relatório menciona os Povos Indígenas e comunidades locais em uma única instância: na página 108, onde é observado que abordagens anteriores para avaliar os ecossistemas “falharam em envolver diversas perspectivas”, incluindo aquelas de “Povos Indígenas e de comunidades locais”.  No entanto, ele prossegue em repetir essas mesmas falhas, ao ignorá-las em suas análises, cenários e recomendações. Este relatório foi uma oportunidade perdida para a WWF demonstrar sua conscientização sobre essas questões e realizar uma avaliação séria de como o movimento de conservação poderia mobilizar seu substancial capital técnico, político e financeiro para respeitar e promover a gestão dos povos locais para lidar com as crises de biodiversidade e do clima.

Como uma rede que inclui muitos milhões de Povos Indígenas e membros de comunidades locais, é doloroso ver que mais uma vez os povos locais são marginalizados e menosprezados por uma poderosa organização nortista.

Queremos incentivar vocês a:

  1. Incluir os direitos coletivos à terra como estratégia na análise e formação de cenários de todas as estratégias de conservação futuras, como a série do Relatório Planeta Vivo (LPR) – com base em trabalhos positivos, como o relatório Unseen Foresters (Guardas-Florestal Invisíveis) e a colaboração em andamento com a ICCA;
  2. Exigir publicamente, como um “requisito grifado”, a inclusão, na Estrutura de Biodiversidade Global, de salvaguardas juridicamente aplicáveis para proteger e estender os direitos dos Povos Indígenas, de “comunidades locais” e de Quilombolas à terra e governança;
  3. Endossar publicamente os princípios do “Padrão Ouro” desenvolvidos pelo Grupo Principal de Povos Indígenas da ONU e pela RRI para reconhecer e respeitar os direitos de povos indígenas e comunidades locais e de recursos na restauração, gestão e conservação da natureza, ação climática e projetos e programas de desenvolvimento;
  4. Comprometerem-se a abordar as questões de sucessão em todas as áreas de conservação em todo o portfólio familiar da WWF, ativando seus compromissos existentes de respeitar os direitos de povos indígenas e comunidades locais à terra, apoiar a restituição de terras aos povos locais conforme solicitado pelos povos locais, bem como implementar o Consentimento livre, prévio e informado em todas as instâncias; e
  5. Comprometerem-se publicamente em tornar o respeito pelos direitos de Povos Indígenas, de comunidades locais e de Quilombolas à terra e à governança uma prioridade organizacional, e a dedicar o capital político e financeiro substancial da WWF a aumentar o reconhecimento de direitos em parceria com organizações de povos indígenas e outras organizações de titulares de direitos, e no diálogo com governos e a comunidade internacional.

Nossa coalizão teria muito prazer em trabalhar com vocês para aproveitar essas oportunidades e aguardamos ansiosos a sua resposta.

Atenciosamente,

Andy White
Coordenador
Rights and Resources Initiative

SIGNATÁRIOS

Parceiros da RRI :

Coordenadoria dos Povos Indígenas da Bacia Amazônica

 

Aliança Mesoamericana de Povos e Florestas

 

Aliança dos Povos Indígenas do Arquipélago, Indonésia

 

Rede de Mulheres Africanas para a Gestão Comunitária de Florestas

 

Pacto dos Povos Indígenas da Ásia

 

Aliança Internacional de Silvicultura Familiar

 

Federação de Usuários de Silvicultura Comunitária, Nepal

 

Tendências Florestais

 

Recursos e Instituições Florestais Internacionais

 

Instituto Socioambiental, Brasil

 

Centro para o Meio Ambiente e Desenvolvimento, Camarões

 

Resposta Cívica, Gana

 

Programa Regional de Desenvolvimento e Pesquisa Ambiental, El Salvador

 

Landesa (Instituto de Desenvolvimento Rural)

 

Centro Agroflorestal Mundial

Membros associados da RRI :

  • René Oyono
  • Edmund Barrow
  • Yemi Katerere
  • Humberto Campodonico
  • Liz Alden Wily
  • Madhu Sarin
  • William Sunderlin
  • Owen J. Lynch
  • Doris Capistrano
  • Sally Collins