As seen on Deutsche Welle

Autora: Nádia Pontes
Revisão: Carlos Albuquerque

 

Estudo compara evolução dos direitos dos habitantes da floresta em 27 países que possuem 75% da mata tropical do mundo. Brasil progrediu nos últimos 20 anos” mas a briga pela terra ainda está longe do fim.

Foi Manuel Cordevaldo Chaves de Souza quem começou a revolução na comunidade onde mora” no município de Gurupá” estado do Pará. A inspiração veio do seringueiro e ambientalista Chico Mendes.

“Nós estávamos brigando pela regularização da terra onde a gente vive. E a luta de Chico Mendes serviu de modelo”” conta Souza” conhecido como Codó. Ele visitou a reserva onde Mendes viveu em 1988″ ano em que o seringueiro foi assassinado.
 

A iniciativa e insistência desses ribeirinhos culminaram na criação da Reserva de Desenvolvimento Sustentável de Itatupã-Baquiá” em 2005″ por decreto presidencial. “Nós lutamos muito para que cada família tivesse o direito permanente de morar e explorar a floresta de forma sustentável”” conta Codó. Desde então” as 170 famílias espalhadas pelos 65 mil hectares de mata vivem pacificamente e mantêm invasores – e suas atividades ilegais – fora da área.
 

A conquista desses moradores ganhou destaque no estudo publicado nesta quarta-feira (30/05) pela Rights and Resource Initiative (RRI)” uma coalizão de organizações internacionais sediada em Washington. A entidade pesquisou a evolução do direito sobre a terra por parte de comunidades que vivem em florestas tropicais nos últimos 20 anos.
 

A conclusão é que” desde a Eco 92″ houve um significativo aumento do controle por povos tradicionais – de 21% para 31% nos 27 países avaliados. Dos 59 regimes legais identificados” 51 foram estabelecidos depois de 1992.
 

“O Brasil é um grande exemplo do progresso que acontece quando os direitos das populações locais são respeitados. O país teve muitos avanços” mas também demonstra quão precária a posse da terra pode ser”” avaliou Andy White” coordenador da RRI. O relatório se concentrou em nações em desenvolvimento na América Latina” áfrica e ásia que” juntas” detêm cerca de 75% da cobertura florestal do mundo e são habitadas por 2″2 bilhões de pessoas.

 

A trajetória brasileira
 

Ao longo dessas duas décadas” o Brasil criou um sistema complexo que rege o direito sobre a terra” com um total de oito regimes: reserva extrativista” reserva de desenvolvimento sustentável” floresta nacional” projeto de assentamento agroextrativista” projeto de assentamento florestal” projeto de desenvolvimento sustentável” território quilombola e terra indígena.
 

A inclusão das terras indígenas e comunidades quilombolas na Constituição de 1988 reconheceu o direito dessas populações tradicionais. Os projetos de desenvolvimento agroextrativista” de assentamento florestal e desenvolvimento sustentável foram criados para regularizar a situação dos que ocupavam essas áreas. Já as florestas nacionais” reservas extrativistas e de desenvolvimento sustentável visavam à exploração equilibrada dos recursos naturais.
 

Apesar do progresso no marco legal” o anfitrião da Rio+20 ainda tem problemas graves ligados à disputa pela terra. No interior do Pará” Mato Grosso” Roraima e Rondônia” onde cinco mortes já foram registradas em 2012 devido a conflitos no campo” a briga está longe do fim.
 

Eduardo Geraque” um dos autores do estudo” compara o equilíbrio dos interesses fundiários a um jogo de xadrez entre grandes oponentes. “De um lado estão aqueles a favor do desenvolvimento a qualquer preço [desmatamento” degradação]. Do outro” a sociedade organizada e a comunidade científica” que se opõem a esse modelo. E o governo compõe outra parte” que às vezes joga de um lado ou do outro.”
 

Cerca de 50% da Amazônia é composta por áreas protegidas” assentamentos rurais e terras de uso militar. A outra metade pertence ou ao Estado ou a particulares” como também é formada por terras ocupadas informalmente. “Mas como esse registro não é confiável” não é possível saber a proporção exata de cada uma dessas categorias”” diz Geraque.
 

Avanços na América Latina” retrocesso na áfrica
 

Entre as regiões estudadas” os países latino-americanos foram os primeiros a reconhecer ou criar regimes de posse da floresta para indígenas e comunidades tradicionais. Os africanos” por outro lado” foram os que menos avançaram. “A áfrica tem uma história colonial muito recente” até quase 1950. E a América Latina começou a criar leis do tipo mais cedo”” justifica White.
 

Na áfrica” os governos reivindicam a posse de 97% das áreas de floresta. Na República Democrática do Congo” que tem a maior porcentagem de mata nativa do continente” a situação é mais dramática: o governo tem o controle total das florestas e é acusado de favorecer a grande indústria por meio de concessão de exploração.
 

Enquanto em alguns países da ásia” como China e Vietnã” as comunidades ganharam direitos de posse” no país que detém a maior cobertura florestal do continente” a Indonésia” menos de1% dessa área está legalmente sob domínio das comunidades locais.

O direito sobre a terra garante preservação

 

Fontes oficiais apontam que a queda do desmatamento na Amazônia nos últimos oito anos foi de 77″6%. Os pesquisadores garantem que as comunidades tradicionais e indígenas que têm a posse legalizada exercem uma grande influência nesse cenário. Afinal” a preocupação dos moradores em manter a floresta e os rios é muito grande – é dali que sai o sustento das famílias.
 

O crescimento da população mundial” da demanda por madeira” carne e grãos aumentam a cada dia a pressão sobre a floresta” além dos grandes projetos de mineração e hidrelétricas. “Não podemos converter o resto das florestas em plantações ou pasto. Esse é o jeito antigo e fácil de se desenvolver”” aponta Andy White.
 

O coordenador da RRI acredita numa solução: planejamento e reconhecimento dos direitos sobre a terra” além do apoio às populações locais para proteção das matas. “Isso é central para que haja progresso em todas as outras frentes de combate que os líderes mundiais irão discutir na Rio+20″” pontua White. Mas” até agora” a discussão está fora do esboço do documento que será negociado na conferência.
 

Read more.